MACHADO DE ASSIS
FAIXA ETÁRIA: A PARTIR DE 14 ANOS
DESCRIÇÃO:
Gonçalves, despeitado, amarrotou o papel, e mordeu o beiço.
Deu cinco ou seis passos no quarto, deitou-se na cama, de barriga para o ar,
pensando; depois foi à janela, e esteve ali durante dez ou doze minutos,
batendo o pé no chão e olhando para a rua, que era a rua detrás da Lapa.
Não há leitor, menos ainda leitora, que não imagine logo que
o papel é uma carta, e que a carta é de amores, alguma zanga de moça, ou
notícia de que o pai os ameaçava, que a intimou a ir para fora, para a roça,
por exemplo. Vão conjecturas! Não se trata de amores, não é mesmo carta, posto
que haja embaixo algumas palavras assinadas e datadas, com endereço a ele.
Trata-se disto. Gonçalves é estudante, tem a família na província e um
correspondente na corte, que lhe dá a mesada. Gonçalves recebe a mesada
pontualmente; mas tão depressa a recebe como a dissipa. O que acontece é que a
maior parte do tempo vive sem dinheiro; mas os vinte anos formam um dos
primeiros bancos do mundo, e Gonçalves não dá pela falta. Por outro lado, os
vinte anos são também confiados e cegos; Gonçalves escorrega aqui e ali, e cai
em desmandos. Ultimamente, viu um sobretudo de peles, obra soberba, e uma linda
bengala, não rica, mas de gosto; Gonçalves não tinha dinheiro, mas comprou-os
fiado. Não queria, note-se; mas foi um colega que o animou. Lá se vão quatro
meses; e instando o credor pelo dinheiro, Gonçalves lembrou-se de escrever uma
carta ao correspondente, contando-lhe tudo, com tais maneiras de estilo, que
enterneceriam a mais dura pedra do mundo.
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